quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Montagem feita por Martica "Mascote"

Martica "Mascote" narra nossos últimos dias até Santiago..

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

sigma e alpha

Sigma e Apha são, respectivamente, os símbolos usados nas escrituras cristãs para o final e o começo das coisas.. como muitos peregrinos podem confirmar, chegamos ao final do Caminho de Santiago, mas apenas ao início do nosso Caminho.. digo início, pois além de ser retorno, tem gosto, cara e jeito de recomeço.. dizem que a peregrinação mais difícil inicia realmente quando se chega em casa, quando se volta ao cotidiano e se retoma a vida diária – ou a nova vida pós-Caminho..


A busca de Deus (ou a falta dela), a busca do Homem em si mesmo, das coisas simples da vida fazem parte do Caminho de cada um de nós.. cada um traça como quer o seu próprio Caminho.. como dizia o poeta “o Caminho não existe, faz-se o Caminho ao andar”.. e quando esse Caminho é feito com Amor (que damos e recebemos), com Fé (pois temos de acreditar em nossas metas) e com Esperança (na vida e nas pessoas que nos cercam), fica muito mais colorido e agradável de se percorrer..


Despeço-me do Caminho com palavras de um poeta argentino, Federico Clavre, que diz o seguinte: “A força não consiste na resistência física, mas no Amor que cada um tem em seu coração”.. ouvi essa frase num vídeo pelo YouTube enquanto estava no Caminho, e agora, pouco mais de um mês depois, casualmente estou em Buenos Aires revisando os textos dos últimos posts para publicá-los no blogue.. será mais um sinal do Caminho? ;)

Bons caminhos,

R

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

o retorno ao Brasil



Pus o Caminho de Santiago no meio da minha volta ao Brasil.. após mais de 6 anos e meio vivendo na Europa, ou melhor, na Península Ibérica pois foi somente em Portugal e Espanha.. e trabalhando bastante pelo mundo, momento em que tive a oportunidade de conhecer mais de 20 países.. já não me sentia Cidadão do Mundo, como seria definido pelo jargão comum.. mas, sim, sentia-me um “Cidadão do Momento”..

E também sentia que chegara o “momento” de voltar à casa, à família, aos velhos e novos amigos que encontraria em minha terra natal – Sergipe..


R

terça-feira, 2 de outubro de 2007

o retorno a Madri

Mais uma vez, a amiga Emília veio dar-me um grande suporte logístico.. trouxe minhas malas (maletas, em castellano) e levou-me à Universidad Politécnica de Madrid onde eu tinha combinado de encontrar com outros peregrinos e amigos.. mas uma vez, outra comprovação da Big Family formada pelo Caminho..



Em direção à Politécnica, passamos numa estação de metro para pegar o João Lima (que tinha vindo de Portugal).. ele estava sem saber qual o Campus da Politécnica que deveria ir, pois quase ninguém na cidade sabia lhe dar informações concretas.. enquanto isso, recebia telefonemas e mensagens de outros peregrinos de Madri que eu tinha enviado SMS indicando o horário e avisando que estaria por Madri algumas horas.. o SMS dizia:

 “Amigos, mañana llegaré a Barajas en el vuelo IB545 a las 7h35, Term 4. Invito al café del Dep Teleco, Campus Sur, U. Politecnica, a las 11h y quedo hasta 13h. Bso, R”..

No entanto, aqueles que confirmaram a presença foram parar do outro lado da cidade, pois não leram o “Campus Sur” no texto acima.. o que gerou vários telefonemas do tipo:

_ Eu? Eu tou no café da Teleco e você?
_ Eu também.. não te vejo.. vou para a porta, certo?
_ OK, mas eu já estou na porta..
_ Impossível, eu tou aqui e não te vejo..

Afinal, estávamos eu e o Pupilo, cada um numa porta diferente, andando que nem tontos de um lado para outro do café..  em nos encontrar.. pois cada um estava num café diferente! Um desencontro total compensado depois no aeroporto..

Ali no café ainda conversei bastante com o João, sobre o Caminho e sua próxima visita ao Brasil.. e também tive até uma reunião com o José-Fernán e alguns professores sobre intercâmbio de alunos e redes de sensores sem fio..

A Emília levou-me (novamente) ao aeroporto com o João e nos despedimos mais uma vez.. emocionados, como sempre..

O João ficou comigo e buscamos um lugar pra almoçar, quando, do nada, as duas peregrinas mais “majas” do Caminho ligaram dizendo que estavam me procurando no Terminal 2.. adorei a surpresa e fiquei super-bobo.. elas vieram ao restaurante que estávamos e iluminaram minha despedida com a boa energia do Caminho.. aquela energia que somente pode compreender quem o fez, o viveu, ou tentou fazê-lo..

R

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O retorno a Santiago

Terminado o desafio de chegar a Finisterre, passei novamente por Santiago para tomar um voo a Madri, e de lá, outro a Aracaju (Sergipe), Brasil.. cheguei a pensar em ficar mais tempo em Finisterre, como fizeram o Pupilo e a Mascote que não queriam passar por Santiago na volta – para não surgirem sentimentos nostálgicos, sem o grupo de antes, etc.. mas logo voltei atrás e pensei nos novos encontro e, ainda, que também poderia rever mais alguém que deixei pelo Caminho.. Também o Damien voltava neste dia e fomos no mesmo ônibus, às 8h20 da manhã.. havia tanto peregrino voltando que parecia que não iríamos caber todos..

A sensação de voltar de automóvel foi engraçada.. até comentamos uns com os outros dentro do ônibus.. para mim, já tinha quase 20 dias que não usava outro meio de transporte além dos pés J.. e cada um relatava quando e como foi sua última vez em um automóvel.. parecíamos que estávamos fazendo uma coisa pela primeira vez.. na realidade, para mim, isso demonstrou outra sensação boa do Caminho: não ter vergonha de expressar as ideias, por mais lúdicas e infantis que parecessem.. esta era exatamente a sensação de estar fazendo parte de uma grande família, aquela que formamos pelo Caminho.. 



Um outro exemplo disso é que realmente havia muitos peregrinos a mais do que a quantidade de vagas no ônibus, mas grande parte deles tinha levantado cedo e vindo até ao ponto de ônibus, enfrentando uma chuva fraca e persistente, apenas para despedir-se dos recém-amigos-irmãos-peregrinos.. também falamos disso no ônibus e lembrei das meninas que me receberam na praia, aplaudindo sem nunca me ter visto, lembrei das confissões que escutei e fiz pelo Caminho, da bondade e generosidade que havia estampada na cara de muitos peregrinos (e também da indiferença, isolamento e distância de outros – que também deveríamos respeitar e tentar compreender).. enfim, não era um Big Brother (felizmente! E apesar das fofocas do Caminho), mas na verdade nos sentíamos mesmo como parte de uma Big Family!

Assim que chegamos em Santiago, fui mostrar ao Damien onde buscar a Compostela.. procuramos onde ele poderia ficar com a Tanja (que depois descobriria que seu nome em latim era Tatianam), da Alemanha.. aliás, em relação a isso, eles passaram uma cena do além (como diria meu amigo João): quando estavam para alugar um quarto por uma noite, chegaram dois outros alemães interessados em alugar por 3 noites e a senhoria prontamente alugou aos outros.. no fim das contas, tudo acabou ainda melhor para eles (e também para mim), pois encontraram lugar no mesmo hostal da Calle Franco, ao lado da Catedral.. para mim também foi legal pois me convidaram para descansar com eles até a hora de pegar um táxi para aeroporto, às 4h30 da manhã..

À noite, fomos “de tapas” (explicando, em bom português, apenas saímos para comer “tapas” pelas ruas de Santiago).. afinal, aquela noite era a “minha” despedida! 


Também era a última noite antes do início das aulas na U. de Santiago e as ruas estavam cheias de universitários da cidade..



Fomos mais uma vez ao Avante – bar apologista da Galícia Livre e de qualquer outro movimento de esquerda do mundo.. tinha panfletos colado nas paredes de quase todos movimentos revolucionários que conheço, desde a “Palestina Livre” ao “Movimento dos Trabalhadores Agrícolas Sem Terra do Brasil”.. isso mesmo! 


Tinha tanto panfleto e símbolo de movimento que se verificavam paradoxos como a foto de Fidel Castro (abraçado a um italiano amigo do dono do bar) ao lado de um outro cartaz que dizia LIBERDADE em letras grandes..



Após vários gins com tónica, cubas-livres, e martinis, fomos eu, o Damien e a Tatianam fazer uma “siesta” entre as 2h30 e as 4h30 da manhã.. despedi-me emocionado da Tatianam, pois em tão pouco tempo, poucas horas aliás, sem nunca nos termos visto antes pelo Caminho, parecíamos amigos de longa data simplesmente por juntarmos os sentimentos de chegada (dela) e de saída (meus).. 

O Damien acompanhou-me até ao ponto de táxi e parecíamos irmãos se despedindo ;)

R

domingo, 30 de setembro de 2007

em Finisterre..

Ao chegar em Finisterre fui direto ao albergue, peguei o certificado que caminhei até Finisterre (o “fim do mundo”), e esperei os meninos para seguirmos até o Cabo de Finisterre.. deixei alguma coisa para “marcar” a cama e seguimos caminhando com as mochilas nas costas.. um pouco mais vazias, mas com as mochilas.. enquanto esperava o Pupilo e a Mascote, troquei sms com o Damien, que ficou me esperando no Cabo.. 

Quando vi o Cabo pela primeira vez, ao chegar em Finisterre pela praia, havia uma grande nuvem negra no seu cume.. naquele momento que retomamos o Caminho, o cenário era o mesmo.. a nuvem continuava pousada sobre o Cabo, o que nos deixou receoso sobre a queda de um temporal na ida ou na volta..  sentíamos somente vento forte e frio.. no entanto, como já nos sentíamos verdadeiros peregrinos, não nos abalou em nada..


Num dos extremos do Cabo, fizemos juntos um dos rituais realizados por peregrinos no fim do Caminho: queimar alguma coisa que fosse importante para cada um.. que relembrasse uma passagem.. que simbolizasse algo de valor, de superação, de passagem, de transgressão, ou, de falta de valor, etc. 

Portanto, queimei alguns objetos que guardei no caminho para esse propósito.. entre eles, a gaze da atadura que a médica (de sobrenome Erro) tinha feito em mim no primeiro dia do Caminho.. para mim, representava todas as dores do Caminho.. tanto físicas, como espirituais e psicológicas.. mentalizei muitas coisas boas pro futuro, muitas lembranças boas do passado, a auto-motivação que tive que criar no meio do Caminho – enfim, o Recomeço!



Ocorreu também uma coisa engraçada: as duas meninas mais místicas ou “espirituais” que encontrei pelo Caminho, às quais chamava de Brujita I e II falaram comigo naquele exato  momento.. seria mais outra casualidade do Caminho?

Almodena, a Brujita I ;), ligou-me pois sabia que eu poderia estar já em Finisterre.. e Ana, a Brujita II, ligou ao Pupilo que me passou o telefone quando eu falava com a Almodena.. foi muita energia junta, com uma Brujita num ouvido e a outra no outro..

Maktub!

R

Oliveiroa - Finisterre

Despertei às 5h45' para preparar as coisas já que no dia anterior tinha dormido mais tarde.. eu estava no primeiro piso da casa e escutava o barulho do vento como se quisesse abrir todas as portas e janelas da casa.. impressionante! desci para o banheiro mas a curiosidade de ver como estava o tempo foi mais forte e abri a porta da casa.. surpreendentemente, chovia pouco e ventava menos do que parecia..

Saímos pelas 6h40' e pegamos a chuva desde o início do Caminho.. sugeri que fôssemos pela estrada e não pelos bosques nos primeiros dois quilômetros, pois poderíamos nos perder na imensa escuridão sem consegui enxergar as flechas com a chuva e vento atrapalhando.. já víamos mas não escutávamos vários raios.. e caminhar naquela chuva significava perigo: caminhar próximo de árvores e ainda com dois bastões de alumínio seriamos mesmo potenciais peregrinos-pára-raios ;).. por outro lado, os meninos (Charlie e Martica, pois o David ficou dormindo..), ficaram reticentes por causa do vento que faria na estrada e do perigo dos automóveis..


Para completar, quando saímos do albergue, não sabíamos em que direção estava o Caminho.. informação básica que peregrinos experientes como nós deveriam saber ou buscar na noite anterior.. após uns 200 ou 300 m, passou um carro e perguntei ao motorista onde estava o Caminho.. ele foi bastante simpático e nos informou que a estrada estava logo adiante e que para tomarmos o Caminho deveríamos voltar ao albergue e seguir na outra direção.. decidimos, então, seguir pela estrada mesmo.. ou seja, o acaso nos guiado para a estrada..

A chuva fina continuava e não incomodava muito.. contudo, quando deixamos a cidade e as ruas protegidas do vento pelas casas, sentimos a força das rajadas de vento.. seguimos com atenção aos carros, sinalizando com as lanternas, e cada vez mais encharcados com a chuva contínua que mudava sempre de direção de acordo com o vento.. passamos por um bar que tinha uma placa (em inglês) informando que o próximo bar estaria a 15 km dali.. já tínhamos caminhado quase 4 km e pensei ser uma publicidade enganosa para estrangeiros (como tinha visto antes em Burgos).. também vi no mapa que levava ao pescoço que haveriam povoados pelo Caminho..  1 km depois, passamos pelo cruzamento onde o Caminho bifurcava para Muxía ou Finisterre.. eu estava crente que deveria seguir pela direita, mas as setas indicavam o contrário.. ali percebi que eu estava errado, pois o mapa não tinha a parte final até Finisterre (ou Muxía).. eu apenas tinha deduzido (erradamente) que o Cabo Finisterre ficava mais a norte que Muxía.. Neste momento, percebemos que o aviso do bar poderia ser mesmo verdadeiro e que poderíamos ficar sem comida quente durante mais 15 km.. e só chovia e chovia.. tivemos que ponderar se estávamos em boas condições e preparados com alimentos e água.. certificamos que as barras energéticas, frutos secos e chocolate dariam pra todos e decidimos "arriscar" adiante.. na chegada a Burgos, eu já tinha caminhado 20 km em jejum, então sabia que poderia aguentar.. era nosso último dia de Caminho e algo me dizia que não estaríamos naquela situação durante todo o dia, como no dia anterior..

No entanto, logo o dia ficou mais tenebroso com a chuva que não parava, e o frio que aumentava paulatinamente.. e ficamos naquele pesadelo por mais 6 km, quando os primeiros raios de Sol surgiram em nosso dia.. pelas nove e pouco da manhã.. e com a luz do dia também veio mais uma certeza: de que não há tempestade, sem bonança.. e para nós, isso ocorreu "literalmente" :)


Dali em diante o Caminho foi um passeio..


Apesar da dureza das subidas e descidas, e da extensão daquela última etapa perfazendo um total de 35 km..

Assim que acabou a chuva, começamos a escutar o barulho do mar e logo depois o vimos pela primeira vez.. desse ponto em diante, o Caminho ficou ainda mais bonito sempre servido com o mar ao lado.. o mesmo mar que representava o fim do mundo conhecido na Idade Média..

Na chegada em Finisterre, decidi seguir o Caminho pela praia.. eu já vinha sozinho há algum tempo e foi uma sensação muito boa chegar pela areia da praia.. também me dei conta que estava terminando o Caminho como o comecei: nos primeiros treinos, fiz algumas caminhadas pelas praias do Algarve em Portugal.. em especial, uma insólita viagem de quase 18 km entre Olhos d'Água e a Ilha de Faro, narrada no início desse blogue.. a grande diferença foi a sensação de chegada: naquele treino, foi cheia de percalços, enquanto que agora, tinha gosto de regozijo e glória.. 





Para encerrar com chave de ouro, ao acercar-me da cidade, vieram duas peregrinas em minha direção e começaram a bater palmas ao me verem suado, só de bermuda e blusa, enquanto elas estavam cheias de casaco e frio.. sorri e também aplaudi a elas..

Muitos peregrinos fazem esta parte do Caminho de ônibus ou carro alugado.. também vale a pena, mas não é a mesma coisa.. afinal, como dizia o aviso no refúgio de Manjerin:

no pain, no glory” ;)


E melhor recepção à Costa da Morte que aquela não poderia pedir nem imaginar!

R

sábado, 29 de setembro de 2007

visita de Tonia


Enquanto esperávamos o hospitaleiro em Oliveiroa, chega a minha amiga Tonia que viveu quase dois anos comigo quando eu morava em Aveiro.. que boa surpresa! Trouxe também o Nino e conversamos bastante sobre passado, presente e futuros ;)


Eu tinha falado pra ela que dormiria no sábado em Oliveiroa, mas como passei em muitos vilarejos que não tinha rede de celular, desliguei o telefone para economizar bateria e perdi suas 7 chamadas.. no entanto, ela insistiu em arriscar a me encontrar sem ter confirmado o encontro e deu tudo certo..

beixiños, Tonia!

R

Negreira - Oliveiroa

Como sabíamos que teríamos uma jornada de 32km, partimos bem cedo, pelas 6h50´.. antes de sair, fiquei um pouco tonto ("mareado") quando levantei mas pensei que tinha sido pela rapidez do movimento.. já no Caminho, enquanto decidia se tirava a capa de chuva ou não, pois o orvalho matinal ficava cada vez mais forte, me senti tonto novamente.. naquele momento, pedi ao Charlie o chocolate que compramos no dia anterior e de imediato coloquei açúcar no sangue.. diminuí o ritmo e também fiquei com o cantil da Marta que estava cheio, enquanto os dois seguiam na frente.. logo recuperei da tontura e retomei o ritmo.. alcançei os meninos e 12km depois da saída paramos para o café matinal.. ali tomei um café da manhã reforçado com tortilha francesa (ovos mexidos), torradas, geléia, etc.

O que era o orvalho persistente da manhã se transformou num dia inteiro de chuva.. por isso, decidimos r direto pro albergue sem parar durante nos últimos 20km de Caminho.. e o fizemos.. chegamos pelas 15h todos ensopados, sonhando com um banho quente e uma boa refeição.. o albergue só abria pelas 15h30' e fomos então almoçar um caldo galego (bem quente) e umas costeletas de novilho (chuletas de ternera).. durante o almoço fiquei sbendo que já haviam uns 10 peregrinos esperando o albergue abrir quando o Charlie e a Marta subiram e descobriram que o mesmo estava fechado.. então, indaguei se não seria melhor levar nossas credenciais e voltar pra comer o segundo prato.. os meninos não queriam dividir a refeição em duas e eu concordei em ficarmos no restaurante.. logo ia me arrepender..

Quando estávamos já na sobremesa, entra um peregrino todo molhado perguntando se havia quartos ali - que além de restaurante era uma Casa Rural.. quando eu perguntei a ele se o albergue estava completo, ele respondeu que sim e que somente havia colchões pra dormir num local com teto mas aberto, no qual poderíamos passar muito frio à noite.. ficamos sem ação! Fomos ao albergue e lá não havia sinal de hospitaleiro.. os outros peregrinos nos informaram que ela viria entre 19h e 20h.. pelas 19h30' chegou um senhor dizendo ser o substituto da hospitaleira, e que era seu marido nas horas vagas.. muitos outros peregrinos já tinham ido buscar na Casa Rural que custava 40 ou 70 euros por noite.. nós resistimos e já pensávamos em colcocar os colchões entre as camas de outros peregrinos, que, solidários com a nossa situação, concordavam com a ideia.. quando o hospitaleiro "substituto" nos atendeu, disse que ficaríamos em uma habitação com cinco camas que era reservada para "minusvávilidos" (deficientes físicos e jovens excepcionais).. 



Por aquela hora chegou também o David, um chico de Bilbao que era quase sempre o último a sair do albergue.. e juntou-se a nós.. também tinha chegado um casal de holandeses de bicicletas, mas estes decidiram dormir num típico lugar galego para colocar os grãos a salvo dos roedores e da chuva.. a casa então era só nossa e foi salvo o dia!

R

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Santiago - Negreira

Na noite passada vieram dormir comigo o Manolo, o Charlie e a Martica.. Pedi à dona da casa para colocar mais uma cama no quarto que era bastante grande e dormimos os 4.. Pusemos o despertador para as 6h da manhã, despertou, mas como ninguém quis levantar, desliguei-o e tocou novamente às 6h13'.. a estória se repetiu e perguntei:

_ levantamos?

E a Martica respondeu:
_ “aqui está tan bién.. calientito”..

Ajustei então para as 7h e quando despertou, pus a música "Grace Kelly" de Mika e então começamos a levantar.. Com isso saímos mais tarde do que tínhamos programado, pois queríamos chegar cedo ao albergue já que sabíamos que haveriam poucas vagas..

Quando deixamos Santiago de Compostela e subimos o primeiro monte próximo, logo entendemos o porque de nosso atraso.. fomos contemplados com o mais bonito nascer do Sol do Caminho.. justamente quando passamos pelo único pico onde poderíamos ver a Catedral.. o mais interessante é que faríamos estes 3 dias de Caminho exatamente para ver o pôr-do-sol em Finisterre.. e nada melhor que começar esta caminhada vendo o nascer do Sol por detrás da tumba de Santiago.. a qual tinha sido o objeto da minha peregrinação nos últimos 775 km a pé..


Sentamos e esperamos prazerosamente o nascer do Sol, enquanto comíamos algumas barras energéticas.. Enquanto ali estávamos passou um alemão e parou também dizendo:
_ what a great place to take a breakfast..

E respondemos:
_ Come on join with us..

Quando voltamos ao Caminho, entramos em bosques de eucaliptos que cheiravam super-bem e logo depois passamos por pinheiros muito altos.. mais uma vez corroborando a beleza do final do Caminho, por toda a Galícia.. que, casualmente, também se assemelha ao início do Caminho pelas terras dos Pirineus e Navarra.. Depois de andarmos uns 11km, paramos par o café da manhã.. ou melhor, pararam o Charlie e a Martica para me esperar e comermos juntos.. pois eu tinha ficado para trás tirando fotos e escutando música pelos bosques.. na verdade, pela primeira vez doeu um pouco o meu joelho e também diminuí o ritmo para não forçá-lo..

Após nosso café, seguimos juntos e em bom ritmo para chegar ao albergue cedo, mas duas tentações nos pararam pelo Caminho.. a primeira, mais rápida, foi uma mesa cheia de maçãs deixadas por uma senhora para os peregrinos que passavam em frente à sua porta.. ela acercou-se a nós, agradecemos e conversamos um pouco com ela..


 A segunda tentação foi mais forte e muito mais prazerosa e demorada: descobrimos um rio espetacular quando passávamos por uma ponte romana num povoado chamado Zas, que ficava a somente 3 km do Albergue... olhamos uns pros outros e quando um disse:


_ bañamos?


Os outros já tratavam de descobrir como poderíamos descer ao rio.. acredito que nossa vontade mútua nasceu do incentivo da Anais Poulain (ou Brujita II) - catalã que nos narrou muitos de seus momentos aproveitados durante o Caminho..

Sabíamos que a água deveria estar fria.. mas era uma coisa que queríamos ter feito e não tivemos oportunidade (ou olho "mágico") antes..tiramos as botas, as roupas e quando entramos no rio não estava fria, estava gelada! tinha bastante limo, logo escorreguei e molhei o corpo todo acostumando o mesmo ao frio.. nadamos um pouco e saímos minutos depois.. ficamos tomando banho de Sol nas pedras enquanto víamos vários peregrinos passando pela ponte, acenando para gente e nos fotografando.. também vimos uma lontra subindo o rio pelas cachoeiras.. foi mesmo mágico! ;)

Depois de secarmos, e enrugarmos bem os pés, retomamos o Caminho já imaginando que não encontraríamos vagas no albergue.. mesmo assim, já tínhamos ganhado o dia.. pelo Caminho vimos mais dois esquilos trepados pelos pinheiros..

Quando chegamos no albergue, encontramos vagas somente no solo, onde poderíamos dormir em colchonetes que o próprio albergue dispunha.. também seria a primeira vez que todos nós íamos dormir no solo..

R

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Cheguei em Santiago!



Ja estou em Santiago!




Depois de 775km de caminhadas a pé, a paz, alegria, e felicidade por ter realizado este feito está na cara de todos os peregrinos que encontro..


Sinto-me muito bem, contagiado por toda esta atmosfera de regozijo, harmonia e solidariedade que encontramos no Caminho..


Estou no meio de despedidas, muita emoçao e até novos encontros com peregrinos que nao tinha cruzado pelo Caminho.. eh uma sensaçao muito boa e indescritivel em palavras..



Amanha sigo cedo para Finisterre.. vou ver o grande Sol desaparecer na Costa da Morte, onde durante a Idade Media acreditavam ser o fim do mundo conhecido naquela época..

Continuarei narrando o Caminho até o fim do mundo antigo..

Ultreia et Suseia!

R

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Brea - Monte do Gozo - Santiago

Acordamos tarde, tomamos café tranquilamente e saímos descansados de muito bem dispostos.. Afinal, faltavam apenas 23km para Santiago e pararíamos no Monte do Gozo - 4.4km antes de Santiago..


Continuamos o Caminho por bosques de eucaliptos, pequenos povoados e, ao final, seguimos por asfalto que passava pelo aeroporto, as TVs Galícia e TVE.. quando estava quase chegando ao Monte do Gozo, passei por uma senhora alemã que parecia que ia desmaiando enquanto caminhava.. me ofereci para levar sua mochila, ela agradeceu muito amavelmente mas não aceitou.. continuei ao seu lado até chegarmos ao Monte do Gozo.. ela era professora aposentada e falamos bastante sobre educação e sistemas pedagógicos alemão, português e brasileiro..


No Monte do Gozo havia o maior albergue de todo o Caminho - 800 lugares.. nos banhamos, fomos almoçar e fiz uma "larga" siesta.. ao despertar, vi que tinha uma mensagem do Damien me chamando pra jantar com ele e todos os irlandeses, suíços, alemães  dinamarquesa e franceses que conhecemos no Caminho.. todos já estavam em Santiago.. não pensei duas vezes, arrumei minhas coisas e fui logo pra Santiago.. no Caminho, trocamos SMS e descobri que já não havia vagas no hostal deles.. fiquei um pouco preocupado pois ia chegar pelas 20h, sem saber onde dormir e muitos albergues e hostals estariam já cheios.. não era bem isso que queria para o dia da chegada..



Assim que entrei no centro histórico da cidade, encontrei o Henry - um canadense que tinha cruzado varias vezes pelo Caminho.. quando lhe falei do meu problema, ele prontamente se ofereceu pra dividir o quarto comigo.. tinha arranjado um quarto numa casa que tinha duas camas e ia dormir sozinho ali.. resolvido o problema!

R

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Melide - Brea

Partimos pelas 7h e pouco, pois pederiamos ter 32km pela frente (caso nao encontrassemos hostal ou albergue a partir do quilometro 25).. desde Melide, faltam apenas 54km a Santiago, mas decidimos fazer em 3 etapas porque queremos parar no Monte do Gozo (a 4.4km de Santiago).. desde o Monte do Gozo poderemos ver Santiago de Compostela, alguns peregrinos conhecidos passando a Santiago e, ainda, no dia seguinte poderiamos chegar bem cedo em Santiago para desfrutar a chegada de outros peregrinos amigos mais atrasados, a missa do peregrino ao meio-dia e todo o dia pra passear em Santiago.. Por minha vez, pretendo deixar o grupo em Santiago e partir sozinho a Finisterre..

Hoje pela manha, logo que saímos começou a chuviscar e eu parei para deixar a capa de chuva pendurada na mochila de facil acesso, para o caso de chover mesmo.. e nao deu outra: começou a chuva e rapidamente coloquei a capa.. desde os 6 primeiros dias do meu Caminho (nos quais choveu bastante), ainda nao tinha chovido.. e parece que durará até u chegar a Santiago pois já há alguns dias chovia em toda a Espanha exceto Castilla e Galicia (as duas ultimas regioes do Caminho)..


Apesar de estar num grupo de 7 pessoas, pus musica no MP3 e segui "sozinho" na frente.. precisava de um momento só durante a etapa de hoje.. enquanto passava (ou melhor, passeava) por outro insólitos bosques galegos pensei em muitas coisas que ocorreram durante o meu Caminho - boas, dolorosas, alegres, inesqueciveis.. acho que já tenho saudades (ya echo de menos) o Caminho..

Por sorte, havia mesmo uma pensao aos 28km da etapa e paramos todos, exceto o Pedro que seguiu sozinho.. desde o hotel de Burgos, é o primeiro quarto durante o Caminho com lençois, travesseiro, televisao, aquecedor, banheiro e chuveiro privado - um luxo para um peregrino :) e, simplesmente, aquilo que temos todos todos os diasem casa e normalmente nao damos a devida importancia..

R

domingo, 23 de setembro de 2007

Jah estou chegando em Santiago!!!

Hoje completei o numero simbólico dos 700 km!

E realmente é verdade que o corpo fica muito mais acostumado ao desafio diário de 25 a 35 km a pé..  até a barriga desapareceu e os músculos da panturrilha, braços e peitoral (por causa dos bastões) estão mais rijos..

Gostaria de colocar aqui as fotos e relatos dos dias anteriores, mas o tempo não para.. e alguns amigos peregrinos já me esperam pra jantar..

Pretendo chegar em Santiago.. isso mesmo, Santiago!!! na próxima quarta-feira.. estou fazendo uma media de 30 km por dia nestas ultimas etapas e não chego com tempo de ver a Internet.. assim que imagino só voltar a atualizar o blog quando estiver em Santiago.. pretendo também fazer mais 100 km até Finisterre - como os peregrinos faziam na Idade Media ;) depois veremos..

Obrigado pelos SMS, emails e telefonemas!! depois tentarei responder a todos assim que voltar à vida normal ;)

Beijos e abrazos,

R

Hospital da Cruz - Melide

Por fim, chegamos a Melide.. tínhamos planejado as etapas anteriores de forma chegar aqui - cidade de 4000 habitantes, famosa por ter o melhor polvo da Galácia.. e a Galácia, por ter o melhor da Espanha..

Saímos um bocado tarde para peregrinos - pelas 7h45 ;) e nos deparamos com uma forte neblina que terminou nos motivando a caminhar mais rápido pela escuridão..


Deixei minha lanterna com Charlie e segui também com o Pedro no pelotão da frente.. o engraçado é que, mesmo sem a lanterna, eu estava vendo muito mais as flechas e sinais do que os outros.. o Charlie brincou dizendo que eu enxergava as flechas no escuro pois já tinha caminhado muito mais que eles e tinhas já tinha a visão treinada ;)

Quando passamos da neblina, verificamos que na verdade tínhamos subido pelas montanhas acima dos 700 m de altura e agora estávamos acima das nuvens.. prova disso foi quando vimos o amanhecer por detrás de nós e nos apercebemos que víamos nuvens cobrindo os vales ao nosso redor.. de longe, até pareciam mar e montanha.. 


Por certo, hoje completei os 700 km de caminhada!


E realmente é verdade que o corpo e os sentidos ficam muito mais acostumados ao Caminho.. por exemplo, já não tenho bolhas, nem tendinites, e sinto-me muito melhor fisicamente..



Hoje fomos super-rápidos.. paramos apenas uma vez e pelas 14h já estávamos no albergue.. fomos logo almoçar e quando voltamos o albergue já estava lotado.. agora no final do Caminho nota-se a presença de muitos mais peregrinos.. uma das razoes é que somente recebe a Compostela quem faz os últimos 100 km a pé (ou 200 km de bicicleta)..

R

sábado, 22 de setembro de 2007

Barbadelo - Hospital da Cruz


Como tínhamos mais de 30 km pela frente, saímos todos muito cedo e seguimos sem tomar cafe durante os primeiros 7.3 km (...), movidos somente por barras energéticas  frutas e água . desde ali, seguimos cada um a seu ritmo.. pela frente, seguiu o Charlie comigo..

O Caminho era novamente cheio de bosques e muito bonito ..









Chegamos antes das 16h e fomos logo almoçar.. o albergue era novo e bem moderno.. tinha até fogão por indução térmica, mas por ironia não tinha nem panela, nem pratos pra usarmos.. e a hospitaleira não era nada simpática nem amistosa..

À noite, fizemos uma surpresa à Bea, colocando palitos de dentes numa torta de Santiago e cantando seus parabéns antecipados..

R